Assistindo a The Brutalist, concorrente ao Oscar com suas 3 horas e 20 minutos de duração, lembrei-me de um conhecido que sempre tinha uma condição ao pedir recomendações de filmes: "não pode ser muito longo". Além disso, ele evitava filmes que fossem "muito parados". Isso já me limitava na hora de indicar algo, porque qualquer obra com mais de duas horas ou sem explosões estava automaticamente descartada.
Sei que você também conhece alguém assim – ou talvez você seja essa pessoa – já que não estou falando de um tipo raro de homo sapiens. Pelo contrário, esse é provavelmente o exemplar mais comum da espécie, principalmente entre os nascidos nas últimas três décadas. Não ter paciência para um filme “parado”, onde “nada acontece”, tornou-se cada vez mais normal. A ânsia pelo ritmo acelerado, pela correria e pelo barulho reflete diretamente o nosso modo de vida, marcado pela era dos vídeos curtos e da informação instantânea. Até os portais de notícias passaram a escrever como se estivessem montando uma sequência de tweets fragmentados (sim, UOL, estou falando de você).
Netflix, por exemplo, oferece a opção de acelerar filmes e séries. Isso, sinceramente, deveria ser crime — tipo, a pessoa aperta o play em 1.5x e, na mesma hora, a polícia bate na porta dela. Essa causa tem todo o meu apoio.
A fórmula do “babado, confusão e gritaria” é mais fácil, mais atraente – especialmente quando não há muito a ser dito. A tela é inundada por luzes intensas, sons estrondosos e cortes frenéticos. A câmera nunca para, a montagem é acelerada, sem espaço para qualquer pausa ou reflexão. Os diálogos são curtos e simples, pontuados aqui e ali por uma piadinha ou uma frase de efeito. A única vez que o ritmo desacelera é quando entra a câmera lenta – alguém salta de um trem em movimento, um soco é desferido no ar, uma explosão se desenrola em detalhes. Um breve momento para prender a respiração. BOOOOOM! Câmera rápida de novo. Que emoção.
Enquanto isso, filmes contemplativos, com longos diálogos ou cenas silenciosas, são rapidamente rotulados como “chatos”. No fundo, o problema não é apenas a lentidão, mas a semelhança com a vida real, com o nosso cotidiano. Em um restaurante, ninguém presta atenção em um casal jantando em silêncio, cada um concentrado em sua refeição. Mas basta um garçom derrubar uma bandeja cheia de pratos para que todos os olhares se voltem instantaneamente para o barulho. No cinema, não é diferente.
Afinal, quem quer assistir a um casal conversando por 10 minutos sobre o passado, o presente e o futuro? Ou a um homem dirigindo pela estrada ao som de uma canção antiga? Ou a uma mulher caminhando pela praia enquanto observa o entardecer? Que tédio, que desperdício. Cadê a explosão, o tiroteio, a invasão alienígena? Não vai acontecer nada?
Mesmo que esse filme “lento” tenha um roteiro bem escrito, repleto de mensagens marcantes e cumpra com maestria sua proposta de reflexão, muita gente simplesmente não consegue – ou nem tenta – apreciá-lo. Falta paciência, sobra inquietude.
Uso como exemplo Zona de Interesse (2023), que retrata uma família vivendo próxima a um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Pode parecer um filme no qual “não acontece nada”, mas na verdade ali acontecem muitas coisas, e são as piores possíveis. O filme transmite os acontecimentos brutais ao espectador não pela exibição direta da violência, mas por meios sutis: sons distantes, gritos abafados, ecos do horror vindos do outro lado do muro. À medida que o silêncio se instala nas cenas cotidianas, é possível sentir o peso do que está sendo apenas sugerido, tornando o filme ainda mais perturbador. A ausência de ação explícita aumenta o impacto emocional, fazendo o espectador perceber o terror sem que ele precise ser mostrado.
Quem não tiver paciência para acompanhar e prestar atenção no filme devido a seu ritmo lento, vai perder uma grande obra. Talvez o inquieto até chegue ao fim do longa, mas vai sair dali sem absorver nada.
Não estou dizendo que filmes lentos são necessariamente melhores que os rápidos; cada um tem seu estilo, e o que agrada a uma pessoa pode não agradar a outra. Eu mesmo não dispenso uma boa cena de ação. Porém, quem costuma desistir de filmes considerados lentos pode estar deixando de lado obras que exigem uma apreciação mais tranquila.
Às vezes, é preciso dar ao filme a atenção que ele merece, permitindo-se ser envolvido e levado pela sua atmosfera. São essas produções mais lentas, muitas vezes, que nos tocam de forma mais profunda e duradoura, permanecendo em nossa memória por muito mais tempo.
O cinema, assim como outras formas de expressão artística, abre portas para um universo repleto de experiências diversas. Muitas vezes, para realmente apreciar o que uma obra tem a oferecer, é necessário permitir-se ir além da superfície imediata, aceitando o convite para uma imersão mais profunda. Algumas produções exigem uma abordagem mais paciente, que nos desafia a desacelerar e refletir sobre o que é apresentado, a fim de descobrir as camadas ocultas que só se revelam àqueles dispostos a investir tempo e atenção no processo. Tenha calma.
FIM
"Zona de interesse" é extremamente violento em sua lentidão, todo detalhe tem um motivo. Baita filme. Acho interessante que "Ainda estou aqui" usou um recurso semelhante de não mostrar a violência física diretamente, mas ouvirmos os sons, os gritos dos torturados.
"Dias perfeitos" eu vi por esses dias. Pense num filme que se tornou um dos meus favoritos na vida? É muito poético. Tenho ouvido a trilha sonora quase todos os dias hahhaha
Adorei seu texto... Fiquei pensando em como ficou mais difícil para as pessoas apreciarem filmes mais "silenciosos" depois da enxurrada de filmes de super heróis (dos quais tb sou fã, dependendo do filme).
Tive uma colega de trabalho que só aceitava recomendações de filmes que tinham final feliz ou se o casal principal (no caso de um romance) ficasse junto no fim. Não duvido virar filtro em streaming, se já não tem algo do tipo por aí.
Acho que esse afobamento de não conseguir digerir filmes longos pode ser resultado de ansiedade também, não só da falta de tempo. Eu tive uma crise de ansiedade na sala de cinema de Avatar (AHAHAHAH). Filmes longos não são um problema pra mim se for assistir em casa, mas no cinema me bate logo uma claustrofobia do cão. Adorei seu texto.